Carolina de Jesus

Carolina de Jesus

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Amor frágil




Sempre imaginei como seria estar do outro lado. Um dia, resolvi tentar.
Acordei pelo lado contrário da cama. Coloquei as roupas de verão no inverno. Fechei as janelas ao invés de abri-las. Limpei as lágrimas assim que escorreram e não as deixei secar com a brisa, como de costume. Parei de procurá-lo. Simplesmente, sem buscar explicações.
Nada mais me pertencia. Eu já não me pertencia. Não reconheci meu reflexo no espelho, e nem quis. Nesse dia, eu não era. Eu não sou.
"Eu senti a sua falta" ele disse. Eu não voltei para responder. As luzes que iluminavam a avenida noturna refletiam sobre mim. O andar do bêbado guiava minha vontade. Vontade de nada e tudo ao mesmo tempo. Deixei o tudo pra lá e fui-me em busca do nada. A placidez com a qual ele me olhava me fez parar. A grandeza do breu da noite equiparada à profundidade de meus olhos. Ele não estava lá. Mas tudo fazia parecer que estava. E o nada ofegava, cansado de entender. Eu não consegui. A noite ainda era minha, assim como os faróis, o vento frio, o absurdo do silêncio -- que ecoava do caos. Eu ainda me pertencia. As lágrimas surgiram, formando uma poça nos paralelepípedos da calçada. E eu achei meu reflexo. A pele alva, a mesma cor preenchendo olhos e fios de cabelo, a expressão cheia, o olhar exaurido. Tudo. Eu não consegui o nada. E ele me deixou, mesmo que nunca tivesse conseguido ficar. Fiquei esperando que o tudo voltasse. Que tudo voltasse. Não veio.
Engoli as certezas e me pus de volta em dúvidas. Ninguém veio. E eu parei de esperar.
"Acorde! Você consegue me ouvir? Por favor, diga que sim... Por favor!" ele implorava. Sabia que eu não escutaria, mas gostaria que eu fosse teimosa como em todas as outras vezes. Eu estava do outro lado. Se era bom ou ruim, eu não sabia. Eu não estava mais lá. Não estava mais no mesmo lugar em que ele estava. Eu estava sozinha comigo mesma, perdida no meu próprio mar de incertezas, boiando na água calma desse mar que não me molhava. Só me apagava.
Nesse dia, acordei do outro lado. Do lado de lá. No mesmo lado. E ele estava lá, do meu lado, esperando que eu acordasse. Ele me abraçou, e ficou tudo bem. E eu fiquei daquele lado, sem saber aonde estava. Mas eu estava lá, era isso o que importava.

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