Carolina de Jesus

Carolina de Jesus

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Deixa eu voltar pra lá?...

Deixa eu ir pro mundo-da-hipocrisia? Por favor, só mais uma vez...
Antes eu não gostava da ideia de ficar brincando de faz de conta. Mas, por que não? É tão mais fácil dessa maneira...
Eu prometo que, dessa vez, eu irei aproveitar todas as vantagens daquele lugar. É calmo, claro e feliz. Já percebeu como todo mundo naquele lugar é feliz? Ou será que isso faz parte do faz de conta também? Seja como for, eu vou experimentar voltar e, dessa vez, sem preconceitos ou preocupações. Não vou querer mais saber o que as pessoas estão, realmente, pensando. Vou me contentar com aquilo que elas DIZEM que estão sentindo. E vou ser mais feliz assim.
Sempre invejei aquelas pessoas despreocupadas e alegres.Você já percebeu como elas estão sempre com um sorriso no rosto? Claro que, se você encará-las por muito tempo, vai perceber que por trás do sorriso tem sempre uma ruga de preocupação. Mas é só não encará-las. É melhor assim. E é por isso que eu vou voltar, para ser como aquelas pessoas. Você não quer vir comigo, não? Vamos, lá é lindo e ensolarado, eu te garanto. Não se pode nem comparar com o céu acinzentado daqui. E não se preocupe, você não estará perdendo nada. Aqui é tudo tão triste e pessimista...Bom, se você não quiser ir tudo bem.
Na verdade, é melhor você ficar. Assim, se eu conseguir voltar pra cá depois, você me ajuda. Quando meus olhos estiverem ofuscados pelo brilho de lá, você me dá um banho de realidade. Porque, sabe como é, não é bom ficar lá para sempre. Dizem que, se não voltarmos dentro de um tempo, perdemos para sempre a noção da realidade. E isso não é bom, porque é melhor que eu tenha um lugar pra onde fugir, caso eu me canse de lá. Caso eu me canse do céu sempre azul e ensolarado, das pessoas sempre perfeitas, sem falhas...
Às vezes é bom errar também.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A chave


“Acho que chegou a hora”. Com essas palavras ela lhe entregou uma pequena chave dourada, que levava pendurada em seu pescoço. Ela sentia medo. Tinha adiado aquele momento o máximo que pôde; não se sentia pronta. “Sinto muito, mas é extremamente necessário”, ele lhe falou, como se lesse seus pensamentos. Ela tentou sorrir. Realmente tentou. Não queria parecer azeda, mas não tinha como sequer fingir estar conformada com a situação. Mas ele, o homem que a encarava, tentando confortá-la com seu olhar, não tinha culpa de nada daquilo, não custava ser gentil. Ou será que ele teria alguma culpa? Ela não sabia ao certo. Mas não era hora de culpar a ninguém, a não ser ela mesma, talvez. “Pronta?”. Ela fez que sim com a cabeça. O homem não tirava os seus olhos dos dela, e ela encarava de volta. Ele abriu, gentilmente seu casaco, e aproximou a chave, que recebera, de seu peito. Ela não conseguia deixar de olhar para os seus olhos brilhantes e confortantes. Sentiu seu coração se acelerar e sua respiração ficar mais rápida e curta assim que a chave gelada a tocou. Ele girou a chave e menos de um segundo depois, ela já não sentia mais nada. Nem a chave, nem seus batimentos e respiração acelerados. Nem via mais os doces olhos do homem a observando. Estava mergulhada em uma névoa quente, doce...e sorria.

Ele sentia medo. Mas a hora havia chegado. Ele tentou impedir, fez tudo o que pôde. Mas não foi o suficiente. Ele estava ali agora. E ela já estava adormecendo quando belas imagens começaram a ser projetadas na parede à sua frente, vindas da chave, que ainda estava presa ao coração dela. “É só uma questão de segundos agora, ela vai ficar bem”. Ele repetia várias vezes essa mesma frase para si mesmo, quem sabe uma hora ele se conformaria. De repente, as imagens que passavam em turbilhões na parede começaram a ficar cada vez mais lentas, até passarem pausadamente, uma após a outra, como um pequeno filme. E ele viu. Ele viu tudo o que ela vira. Olhos castanhos encarando-a; um sorriso; um beijo; uma risada, a dela. Ele viu os cabelos dela balançando no vento, lembrando da sensação que o seu perfume causava nele. Viu duas mãos, segurando uma na outra, despreocupadas. Viu também um olhar tímido, um abraço demorado, e as mãos que não se soltavam. Ele tinha vontade de chorar, mas não podia. O que aconteceria se o vissem? Seria terrível.

Ela via tudo aquilo e sorria, inconscientemente. Mas conforme o seu turbilhão de memórias ia se esgotando, ela sentia uma crescente agonia, que a sufocava. Queria gritar para que aquilo parasse, mas não tinha voz. E ela viu os olhos dele a olhando, minutos atrás, em sua última lembrança. Tudo ficando cada vez mais turvo. Tentou sair da cadeira em que parecia estar presa, mas não conseguia mover um músculo sequer. Ela não tinha culpa de nada. Que culpa era aquela, afinal? Se é que pode se culpar alguém por se apaixonar. Ela imaginou a resposta dele àquela pergunta: “Mas pode-se culpar alguém por se apaixonar pela pessoa errada. Ela lhe diria que ele não era a pessoa errada, queria lhe dizer isso mais do que tudo neste momento. E esse desejo irreparável lhe fez brotar uma lágrima no olho esquerdo.

Ele viu a lágrima escorrendo no rosto dela e desejou que nada daquilo fosse verdade, que fosse apenas um pesadelo. Fechou os olhos esperando descobrir que estava sonhando, quando os abrisse. Não funcionou. E escorreram lágrimas dos seus olhos também. Ele começou a pensar naqueles olhares que haviam trocado antes, tão intensos, mas tão distantes; e no mar de palavras não ditas, em tudo aquilo que ele poderia ter feito...Agora não restava mais nada. Ela não se lembraria mais dele. Nem de nada do que viveram. Mas ele não esqueceria de nada. E aquela dor ficaria guardada em seu peito para sempre, ou até que algum superior descobrisse seu segredo e pegasse sua chave também; assim, seria feito com ele o que foi feito com ela. E a história deles dois estaria apagada eternamente. Ele não poderia deixar que isso acontecesse. Teria de viver com aquilo guardado só pra si, e não compartilhar com mais ninguém. O seu segredo era aquela garota. E, mais do que isso, era tudo o que ele sentia por ela. Por isso era preciso fazê-la esquecer de tudo o que eles viveram. Era perigoso demais. Ele abraçou seu corpo frio e inconsciente, e saiu de lá antes que ela acordasse. Ou pior: que alguém os visse juntos. Antes de sair pelo corredor, olhou para trás uma última vez.

Abriu a porta que levava ao lado de fora do lugar em que estivera por tanto tempo, e para onde não desejava mais voltar. E seguiu em frente, em busca de um caminho...